segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Maria Bethânia, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino e Oscar Niemeyer falam sobre o "Homem Nu”, em 1968




O homem nu é imoral? A pergunta, quem diria, volta a ecoar em pleno século 21. Aqui, ela é título de uma matéria de capa (ao lado) da revista O Cruzeiro, de março, de 1968. É em cima da proibição da peça Cordélia Brasil, de Antonio Bivar, e abre com a nudez em página inteira do pintor e ator Luiz Jasmim, que morreu em 2013, aos 72 anos. Ele atuava na peça com Norma Bengell. Só que o “homem nu” não era o motivo da censura. “A verdade é que no meu texto não havia a indicação de homem nu. E Luiz Jasmim nem aparecia nu em cena. Mas continuava genial na autopromoção”, conta Bivar, em seu livro de memórias Mundo Adentro Vida Afora, no capítulo "Vaidade, teu nome é Jasmim".


Golpe de autopromoção à parte, a matéria é interessante. Lembra que no ano anterior a revista francesa Lui trouxe pela primeira vez publicidade com um “homem nu” e entrevista os principais artistas e intelectuais da época: Nelson Rodrigues, Oscar Niemeyer, Fernando Sabino (O filme O Homem Nu, roteiro dele, estava em cartaz) e a jovem Maria Bethânia, entre eles. É a opinião deles que interessa aqui quando o homem nu está de volta e causa polêmica entre conservadores – também de volta ou alguma vez não estiveram? 

Maria Bethânia: “Não há imoralidade alguma num homem nu como também  numa mulher nua. Acho que depende de cada um. De seu modo de ver, de encarar a situação. Cada um tem um pensamento diferente quando vê um homem nu e cada um o concebe a sua maneira. O imoral vê imoralidade. Além disso, acredito que a mulher carioca vá aceitar bem a inovação, e os homens, logicamente, farão muitas piadas. O negócio é esse mesmo: o autor tem que ter liberdade de botar para fora tudo o que vem à sua cabeça. E se um homem nu fica bem em certa situação na cena, que venha o homem nu.”

Nelson Rodrigues: “O último carnaval desmoralizou completamente a nudez. Tirou da nudez o seu suspense e todo o seu patético. Só escandalizou quem não se despiu. Aliás, é preciso estabelecer uma cronologia da culpa. A primeira culpada foi a praia. Não há nudez pior do que a do biquini. O biquini é algo semelhante ao barbante que a índia enrola em cima do umbigo. Sei que no caso presente o problema é a nudez masculina. Será imoral a nudez masculina e a feminina não? Eis uma pergunta imbecil que só poderá ter respostas igualmente imbecis. Eu diria que a nudez masculina é ignóbil para o homem, mas duvido muito que a mulher tenha uma ideia pouco lisonjeira do nu másculo. Seja como for, acho de um cinismo gigantesco que se proíba a nudez no palco e se permita a nudez carnavalesca e praiana. É só. Estou exausto.”


Fernando Sabino: “Deus criou o homem nu. A folha de parreira apareceu depois. A nudez é, pois, natural; e imoral, se imoralidade existisse, seria a vestimenta – inclusive o ato de tirá-la. Mas tudo depende da finalidade a que ela se destina – não só a de preservar o recato também natural do homem, como o de protegê-lo devidamente dos chamados rigores da natureza e adequá-lo ao meio em que exerce a sua convivência com outros homens em sociedade. Existindo tal adequação, a nudez ou a vestimenta serão necessariamente estéticas, na medida em que buscam aprimorar aquilo que já é necessariamente belo. E o que é belo jamais é imoral, se integrado em seu verdadeiro contexto. Tanto é imoral um homem nu dentro de uma igreja ou em plena rua, como um homem de terno e gravata dentro de uma piscina ou de uma sauna. A nudez de um homem ou de uma mulher é mais do que natural e bela, em si – é sagrada. Ainda mais quando perfazem o ato do amor, que é o ato da criação. A imoralidade está nos que conspurcam a nudez com seus próprios olhos ou com a imaginação, projetando em tudo a sua secreta incapacidade de amar o homem tal como ele é, tal como nasceu: pobre, sozinho e nu, frágil criatura de Deus, matéria de salvação.”

Oscar Niemeyer: “Sou contra qualquer censura que limite a criação artística, estabelecendo um clima de revolta e desacerto. Não sei se é fundamental no espetáculo a presença, no palco, de um homem nu. Mas isso é problema do autor. O importante é que o público seja informado das peças em cartaz, a fim de que escolha a que preferir.”



A capa e a abertura estão lá em cima, aqui a matéria.



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