quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Vinicius, Gil e Bethânia: é preciso ser brasileiro com sinceridade


Era 1966. Vinicius de Morais, Maria Bethânia e Gilberto Gil estreavam o show Pois é.., no Teatro de Arena, do Grupo Opínião, no Rio de Janeiro.  “Vocês já imaginaram Maria Bethânia com uma blusa cacharel rosa e calça de gorgurão de seda, também rosa, sapato forrado com fazenda da calça, com as expressões que lhe marcam o rosto quando canta, magnetizando o espectador? Já imagiram Vinicius ao lado desta baiana e deste moço Gilberto Gil?”, registrava a matéria não assinada do jornal Diário de Notícias, do dia 18 de setembro. Com citações de Karl Marx, Casemiro de Abreu e Mario de Andrade, o show estrearia quatro dias depois. A reportagem assistiu ensaios e publica um diário  maravilha dos três em tempos difíceis. Ei-lo:

Vinicius – Todo brasileiro é habitado por um nordestino, da mesma forma que não creio em Deus mas o Deus dos outros me habita. Por isto, meu companheiro, não temeria de revelar todo, claramente, na minha mais vistosa intimidade, porque sei que esta revelação nos revelaria a nós todos, a nossa época, o nosso mundo, o nosso Brasil. Não teria nenhum temor, meus companheiros, de nenhuma pergunta sobre a minha culpa e responsabilidade na vida, no amor, pois a única vergonha que me restaria é de que a felicidade ou tristeza obtida com isso não fosse coletiva, não fosse inteiramente nossa.

Gil – Vinicius, o que você fez quando passou o cometa Haley?

Vinicius – Eu falei de amor.

Bethânia – E quando o padre disse que era pecado?

Vinicius – Eu falei de amor.

Gil – E quando a morte o assustou e conheceu a injustiça pela primeira vez?

Vinicius – Eu falei de amor.

Bethânia – E quando o leite subiu, o presidente caiu e a guerra estourou?

Vinicius – Eu falei de amor.

Gil – E quando tudo esteve mais difícil e se reclama dizer ou fazer alguma coisa que modificasse o curso dos acontecimentos?

Vinicius – Eu falei de amor.

Bethânia – E quando se tornou necessário ser mais claro, ser nitidamente brasileiro?

Vinicius – Eu falei de amor com sinceridade.

Bethânia – Sem dúvida sabemos que é preciso ser brasileiro com sinceridade e que cantar um samba com sincero amor já se constitui uma manifestação de consciência; mas sabemos também que isso não é fácil e temos medo. Temos medo de ser ufanista, um medo que às vezes nos vem por desconfiar de que a terra que cantamos talvez não seja tão nossa.








Nenhum comentário:

Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...