sábado, 4 de outubro de 2014

Hugo Carvana: o homem que perseguia a alegria


Hábito de todo final de manhã/ começo de tarde de sábado, estava num café lendo jornal, perto da uma da tarde. Acabei de ler uma matéria sobre José Wilker no Globo, entro no twitter e estava lá: Hugo Carvana morre aos 77 anos. Tão zonzo fiquei que nem li a matéria, não sei se estava doente, de que que foi: não me interessa. Tudo cala diante da morte de um cara que eu admirava e que, para mim, era a alegria.

Em 1975
Tenho mania de guardar matérias das pessoas de quem eu gosto (e das que não, também) e vou direto ler algumas do Carvana. A mais antiga é de uma Ele e Ela junho 1975, título “Eu não sou malandro, sou otário”, fotos de Carvana com cigarro na mão e diante de um copo de chope. Tempos da novela Cuca Legal, ele já tinha dirigido Vai Trabalhar Vagabundo e completava 21 anos de carreira e “64 filmes nas costas”. Em outra matéria, sem data (provavelmente 2002), Carvana chegava a 78 filmes. “No princípio não foi mole, gente boa. Muita luta e eu tive que dar muito pinote. Comecei aos 17 anos como figurante no filme Trabalhou Bem, Genival. Fiz mesmo de curtição, e o Joel Barcelos me incentivava – “vai nessa que é uma boa”. E estou nessa até hoje, onde pretendo continuar. Não tenho porque largar o meu cinema”, disse ele pra Ele e Ela.

“Os cineastas brasileiros se dão muita importância” é o título de uma capa do Segundo Caderno do Globo, em 2007, quando Carvana ganhava mostra em sua homenagem no Rio, captava recursos para a finalização de A Casa da Mãe Joana e já anunciava o próximo, Não se Preocupe, Nada Vai Dar certo. Abaixo, alguns trechos dessa deliciosa entrevista assinada por Patricia Villalba.

“Por sorte, eu estava nos lugares certos nas horas certas. Começou tudo na chanchada, que me despertou o desejo de ser ator. Daí eu fui estudar teatro, fazer uma escola de teatro. Dei um pulo, fui fazer teatro mambembe, viajei pelo Brasil. Por acaso, eu conheci o Teatro de Arena, de São Paulo, que estava fazendo testes para uma temporada no Rio. Eu não sabia, mas era um teatro revolucionário, propunha uma mudança radical na postura teatral. Ali me fiz homem, foi um salto das brincadeiras, da molecagem, para entender mais o homem, suas contradições. Naqueles anos, estou falando de 1958, 59, outro grupo de jovens no Rio tinha vontade de fazer cinema. Esse grupo de jovens quando viu esse grupo de teatro ficou fascinado, se aproximaram. Foi meu terceiro movimento. O destino me chamou, e lá fui eu fazer o Cinema Novo”.

“Quando eu decidi dirigir, já tinha 20 anos de cinema. Quis o destino que a primeira história, de Vai Trabalhar Vagabundo, estivesse carregada de alegria. Depois, eu descobri que essa alegria veio da chanchada. Vai Trabalhar Vagabundo (1973) começa com o personagem saindo da cadeia. Fiz esse filme em plena ditadura Médici onde, ao contrário, as pessoas estavam na cadeia. Além da alegria, da brincadeira, que era a chanchada, o filme escondia esse desejo autoral – confesso que não consciente. Foi emblemático o “bom dia, professor!”. Eu seria falso se ficasse procurando a angústia, os amores incompreendidos. A fome passa longe dos meus filmes, apesar de o banquete não estar dentro deles também”.
“Ninguém sabe que eu trabalho como um louco para produzir meus filmes. Todo mundo quer é tomar um chope comigo”.

Outra capa do Segundo Caderno do Globo, em julho de 2011, quando lançava Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo, o oitavo filme como diretor, com Gregório Duvivier e Tarcísio Meira no elenco. Dois trechos da matéria de Luiz Fernando Vianna:
“Não sou politicamente correto e não tenho problema em dizer isso. Aos 74 anos e 55 de cinema, já estou diplomado. Não estou a fim de tratar de coisas boazinhas. O que me interessa é o mauzinho, o sacana, esses personagens que invertem a lógica – afirma ele, entre baforadas de charuto, em sua casa na Barra da Tijuca, longe da boemia – A vida boêmia é passado, são só flaschbacks.”

“O cineasta se interessa pelos malandros de pequeno vulto, anônimos, como o que está imaginando para um futuro filme: velho punguista que teve seu ofício de furtar dinheiro prejudicado pela invenção da calça jeans, que comprime as carteiras aos corpos.
- Essas figuras são como mamutes. Devem continuar existindo por aí. Sempre que puder, eu vou recuperá-las – promete Hugo Carvana”

Grande cara, esse Hugo Carvana.


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