quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A volta e as reviravoltas de Rainha da Sucata


Rainha da Sucata está de volta, no horário nobre do Viva, a madrugadinha, e tem repercutido bem junto ao público. É movimentada, ágil, cheia de acontecimentos. Dia desses, após assistir um capítulo, fui conferir o que Silvio de Abreu conta da novela em Um Homem de Sorte, livro-depoimento dele para a coleção Aplauso, que tive a honra de escrever, com supervisão do próprio, em 2005. É um capítulo inteiro – Reviravoltas – repleto de ótimas histórias (o confisco do Collor, a "concorrente" Pantantal, etc), uma espécie de balanço de Rainha da Sucata, que levou um certo tempo até virar um sucesso de audiência. Abaixo, o capítulo inteiro. E lá no fim, o link para ler o livro na íntegra ou para download.


Capítulo XXI
Reviravoltas
Logo que acabei de escrever Boca do Lixo, fui chamado para criar uma nova novela para as oito da noite. Uma sinopse apresentada por Dias Gomes havia sido recusada e necessitavam urgentemente outra. Tentei argumentar que ainda não me achava apto a encarar o desafio, mas Boni me autorizou a escrever dentro do mesmo gênero que havia inventado para as sete horas, privilegiando o humor.Senti-me mais confiante de poder pisar em terreno conhecido e assim, como comédia começou a nascer Rainha da Sucata, a primeira trama do horário dito nobre, passada em São Paulo. Fiz a sinopse em menos de um mês e comecei a desenvolver os capítulos em seguida.

Rainha da Sucata estreou com 30 capítulos escritos e, já na segunda semana de exibição, senti que não tinha engrenado. A audiência era boa, o público parecia se divertir, mas ninguém comentava. E sou de opinião que novela deve ser como catapora, precisa pegar, e nem tem de fazer sentido, precisa fazer sucesso, porque é o circo do povo. Na verdade, os problemas começaram uma semana antes de a novela ir ao ar, quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência e prendeu o dinheiro de todos nós. Era uma época de inflação absurda, a novela girava em torno do vil metal – a história de uma família quatrocentona falida e de uma família cafona, cheia de grana – mostrando que na sociedade moderna o dinheiro estava mudando de mãos, como havia sido constatado por uma pesquisa muito bem elaborada por Rose Saldiva.

Glória Menezes, Tony Ramos e Regina Duarte:  o trio de protagonistas


Tive que reescrever vários capítulos, pois o confisco do governo inviabilizava muitos personagens, que negociavam com dólar, aplicavam no over, práticas que tinham acabado de uma hora para outra. Os capítulos iniciais já estavam gravados e precisei reescrevê-los, às pressas, para estrear dentro da nova realidade econômica do País. Foi um trabalhão e quando a novela estreou com os personagens reclamando do dinheiro preso, os jornais publicaram que a Globo já sabia do confisco e não avisou a população. Isso criou uma imensa má vontade do público e da imprensa contra a novela, apesar de não passar de um boato maldoso e infundado.

Era comum aparecer nos jornais insinuações sobre a minha incapacidade de levar a contento uma trama no horário principal da emissora: Como é que ele não quer mais fazer chanchada? Ficou pretensioso e agora quer fazer novela das oito. Esse tipo de pensamento é engraçado, já que numa carreira é fundamental não se ter medo de se lançar a novos desafios. Há que se fazer de tudo. Eu quero escrever novela que se passe no céu ou no inferno, onde a trama me levar. Quero ter a liberdade de fazer novelas dramáticas, policiais, sociais, políticas, cômicas, farsescas, mexicana, enfim, o que me der na telha. Não sou obrigado a ficar limitado à comédia, só porque fiz uma novela tão emblemática como Guerra dos Sexos. Ou vou ter sempre que fazer policial, só porque A Próxima Vítima parou o País?
Com tanta coisa contra e ainda sentindo a fria recepção do público com relação à novela, tive de enfrentar o crescimento de Pantanal, a excelente novela de Benedito Ruy Barbosa, que era apresentada na extinta Rede Manchete. Eram tempos de vamos derrubar a Globo, agora apareceu a Manchete e todos os elogios iam para a concorrência, que assim como a minha, era um ótimo programa. Por mais que os jornais tenham explorado o embate, a verdade é que as duas novelas jamais concorreram no mesmo horário. Sabiamente, a TV Manchete esperava Rainha da Sucata acabar para começar sua novela, que ganhava cada vez mais números de audiência em cima da linha de shows e só concorria com a novela da Globo no prestígio junto à imprensa.

Como se tudo isso não bastasse, um gravíssimo problema particular apareceu em minha vida, logo após a sinopse ter sido entregue.Ubaldo, meu irmão, acometido de uma infecção no cérebro, voltou para o Brasil, quase sem esperanças de vida. Vê-lo daquela maneira, perdendo os movimentos, a visão, a fala, ia me acabando dia a dia, mas, além da novela, tinha que manter o equilíbrio em casa, principalmente o dos meus pais que, já bem velhos, assistiam à degradação do filho querido. Todos em nossa família cuidávamos dele da melhor maneira que podíamos e eu necessitava urgentemente encontrar alguém para ser meu colaborador no texto da novela. Não tive sorte, tentei várias pessoas e nenhuma engrenava. Complicando ainda mais, era a primeira novela que escrevia em computador e a minha adaptação àquela máquina infernal, que sumia com meus capítulos a cada pique de luz, me deixava maluco.

Enfim, com tudo isso, ia tocando a história e só depois percebi onde estava meu erro como autor na condução da novela: sem tempo hábil para raciocinar e desenvolver as histórias principais, ia mantendo tudo em fogo brando, fazendo cenas episódicas, cotidianas, de histórias paralelas, arrumando gags e acontecimentos meio sem importância, esperando a hora de poder, realmente, ter a cabeça tranquila para mergulhar na história que interessava. Evidentemente, não percebia isso na época e foi Gilberto Braga quem me alertou e, depois da morte de meu irmão, por volta do capítulo 50, me ajudou a dar um rumo de sucesso para a Rainha da Sucata.

A história continuou a mesma, mas o que seria narrado em forma de comédia passou a ter um gosto de drama, centralizado nos personagens de Maria do Carmo (Regina Duarte), Edu (Tony Ramos) e Laurinha (Glória Menezes), o trio de protagonistas. O riso não foi abandonado, e sim reservado a outro núcleo de personagens, todos com enorme aceitação popular, como Dona Armênia (Aracy Balabanian) e suas “filhinhas”, Nicinha (Marisa Orth), Caio (Antônio Fagundes) e Adriana (Cláudia Raia). Contei o que queria contar, mas de uma maneira que os espectadores entendessem e se empolgassem. Misturei comédia com drama, riso com tragédia e conquistei a audiência do horário, que exige um núcleo dramático mais forte, gosta de torcer pela mocinha que sofre. Agarrei de vez esse público quando Edu e Maria do Carmo se casam e ele se recusa a ir para a cama com ela.

Por volta do capítulo 100, consegui encontrar o talento profissional que eu buscava para ficar a meu lado e Alcides Nogueira entrou para me ajudar. Excelente autor e companheiro maravilhoso, foi a recompensa que ganhei depois de toda a infelicidade que provei no início da empreitada. Profissional irreparável, amigo carinhoso e escritor criativo, Alcides Nogueira gosta de escreve à noite e eu de dia, e essa diferença de fusos horários até contribuiu para nosso entrosamento. Acordava às seis da manhã, ligava para ele, que tinha acabado o capítulo que lhe passara no dia anterior, ele me enviava, eu relia, colocava os meus chistes, escrevia o capítulo seguinte, fazia a planificação do próximo dele e às oito da noite lhe passava para ele escrever de madrugada. Foi um período tranquilo e agradável com a novela engrenada no gosto do público, com todo o Brasil repetindo o bordão Na Chon! de dona Armênia, as mulheres usando franja como Maria do Carmo e os pontos de audiência subindo cada vez mais. Foi a segunda vez que enfrentei uma crise como escritor de novelas, mas outras estariam por vir.

E aqui, o link para ler ou baixar Um Homem de Sorte


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Errei sim e dei a volta por cima

Ali, no palco, sem aviso, o erro invade o cantar. Acontece e o que importa é a atitude na sequência, a volta por cima (ou não). Num recente The Voice, a moça errou o começo da letra, continuou e tão dona do pedaço que não foi a eliminada. Tem alguns tropeços charmosos em discos ao vivo que fazem toda a diferença. Três deles seguem aqui.


Marina Lima - Lady Sings The Blues
No show Todas (1986), a cover de Billie Holiday era a “música calma”, como Marina avisa antes de começar a cantá-la. E não é que dá xabu logo no comecinho? “Hoje é o dia de começar tudo de novo”, interrompe a cantora com direito a uma citação de “começar de novo”, o sucesso da Simone. E daí emenda. E fica lindo.



Cássia Eller – Diamante Verdadeiro
No show Luz do Solo (2001), que só agora foi lançado em CD, Cássia Eller emenda o blues I Ain´t  Got Nothing But the Blues com Diamante Verdadeiro, ambas inéditas em sua voz. No meio da canção do repertório de Maria Bethânia, derrapa e não perdoa: “Fudeu. Vou começar de novo, vá se fuder. Eu queria imitar Bethânia, mas eu fiquei nervosa, aí atrapaiei tudo. Vou ver se consigo dessa vez”. E recomeça, mas derrapa outra vez nos primeiros verso sda canção: “Olha aí. O que que é isso? Vai de novo, vai de novo”. E daí vai de novo. No vídeo disponível no youtube não aparece o primeiro tropeço, só o segundo. Mas no CD Do Lado do Avesso”, está inteiro.


Gal Costa – Fruta Gogóia
Fatal (1971) é o show que não vi e daria alguns minutos finais da vida para tê-lo visto. Acompanhando-se ao violão, Gal tropeça nas cordas no meio de Fruta de Gogóia, o público ri e ela diz apenas um “acontece” acompanhado por um sorriso daqueles e continua a canção que serve de introdução a Vapor Barato. Momento mágico. 






sábado, 19 de janeiro de 2013

Billie Holiday, lembranças e Murakami

Meu primeiro Billie
Sábado chuvoso. Mexo em guardados e, de repente, meus olhos se fixam em uma página de jornal. Amarelecida sim, mas nem tão velha assim: setembro 2008. E meus olhos se detiveram em um artigo sobre Billie Holiday, escrito por Haruki Murakami. O japonês é dos meus escritores preferidos e lendo (ou relendo, que devo ter lido quando publicado, apesar de não lembrar) encontro o que eu queria dizer de Billie se sobre ela escrevesse. Lembro que meu “primeiro Billie” foi um da série Gigantes do Jazz, comecinho dos 80, comprado numa banca de revistas da avenida Borges Medeiros em Porto Alegre. “A mais comovente cantora de jazz”, escrito abaixo do nome da cantora. Até então, eu conhecia Billie Holiday mais de ler do que de ouvir. Eu era novo, novinho de tudo. Me apaixonei pelo disco? Nada. Era como se ouvisse algo muito antigo que não me dissesse nada. O tempo, sábio e implacável, foi passando e não muitos anos depois me vi apaixonado por aquele disco, por todas as faixas. É que quando ouvira pela primeira vez não estava preparado. Para ser tocado por Billie Holiday é preciso ter passado por algumas dores. Nada de regra geral, mas no meu caso foi assim. E é disso que Murakami fala no texto abaixo, traduzido por Clara Allain e publicado no caderno Mais da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2008, um domingo.

O Perdão de Billie
Haruki Murakami

Eu ouvia muito Billie Holiday quando era jovem e a achava comovente. Mas só fui apreciar de fato o quanto era maravilhosa mais tarde, quando estava bem mais velho. Acho que isso quer dizer que envelhecer traz, sim, algumas compensações. Nos velhos tempos, eu ouvia a música gravada por Billie na década de 1930 e no início da de 1940.

Naqueles anos, sua voz era jovem e nova, e Billie lançava uma canção após outra, a maioria relançada mais tarde pela Columbia nos EUA.

Essas canções eram repletas de imaginação e voos melódicos acrobáticos. O mundo inteiro dançava no ritmo do suingue de Billie Holiday.

Quero dizer que o planeta se mexia, de fato. Não estou exagerando. Estamos falando de magia, não simplesmente arte. O único outro músico que conheço que possuía virtuosismo tão mágico foi Charlie Parker.

O eu mais jovem não ouviu com tanta atenção as gravações posteriores de Billie Holiday, sua fase na Verve, canções que ela gravou quando as drogas tinham endurecido sua voz e corroído seu corpo.

Ou talvez, quem sabe, eu tenha mantido distância consciente delas. Eu achava suas canções daquela era, especialmente as dos anos 1950, dolorosas, opressivas, patéticas. À medida que fui passando pela casa dos 30 anos e depois dos 40, porém, me vi colocando esses discos na vitrola com frequência cada vez maior.

Sem me dar conta disso, eu estava começando a sentir desejo e necessidade, física e emocional, daquela música.

O que havia nas canções posteriores de Billie Holiday – canções que poderíamos descrever como alquebradas – que eu era cada vez mais capaz de escutar e que eu não escutaria antes? Ando pensando muito sobre isso. Por que essas canções passaram a exercer atração tão poderosa sobre mim?


“Está tudo bem”
Entendi recentemente que a resposta talvez envolva a ideia de “perdão”. Quando ouço as canções posteriores de Billie Holiday, posso senti-la abrindo os braços para abraçar os corações das muitas pessoas que magoei ao longo de minha vida e dos meus escritos, as pessoas que sofreram devido a meus muitos erros, e aproximando-as dela. “Está tudo bem”, ela canta para mim.

Deixe estar. Isso não tem nada a ver com “curar feridas” – não estou sendo curado de modo nenhum. É perdão, puro e simples.

Sei que essa interpretação da música de Billie Holiday é profundamente pessoal. Eu jamais sugeriria que ela se aplica a todos. É por isso que recomendo sua maravilhosa coleção lançada pela Columbia. Se eu tivesse que escolher uma só canção dela, seria sem dúvida alguma “When You´re Smiling”. O solo de Lester Young no meio também é um deleite, um trabalho de gênio.

“Quando você está sorrindo, o mundo inteiro sorri com você”.

E o mundo sorri, de fato. Você pode não acreditar, mas é verdade – ele fica radiante.



E aqui, a luminosa Sometimes I´m Happy, das gravações finais de Billie Holiday



Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...