segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Fulano sicrano beltrano

Impressionante o fôlego de Maria Bethânia. Deve ser dela o recorde de quem mais lança discos no mundo. Chegam primeiro os com inéditas (Encanteria e Tua, os mais recentes, saíram juntos e não muito depois do em parceria com a cubana Omara Portundo, que veio quase colado com Pirata e Mar de Sophia, também lançados juntos). Daí vem a gravação dos shows, às vezes também DVDs. É uma maravilha e os fãs deliram a cada novo disco, mas haja grana e tempo para ouví-los, já ouvi isso de gente que idolatra a cantora.

O novo da Bethânia nas lojas é Amor Festa Devoção. Ao vivo e duplo (e também em DVD), é a gravação de dois shows da temporada carioca (dias 12 e 13 de março). As canções de Encanteria e Tua servem de fio condutor do repertório. Entremeando-se surgem belezas inéditas (ou raras) na voz da cantora: Vida (Chico Buarque), Não Identificado, Dama do Cassino e Queixa (Caetano Veloso), Serra da Boa Esperança (Lamartine Babo), Bom Dia (Humberto Martins, do repertório de Dalva de Oliveira, paixão de Bethânia) e aquelas que não podem faltar: Explode Coração e O Que é, O Que é (Gonzaguinha), essa última introduzida com trechos de Pronta Pra Cantar (Caetano), que ela gravou originalmente com Nina Simone (e ter gravado com Nina Simone não é pra qualquer currículo). Pena que um dos pontos altos do show Eu Velejava em Você (Eduardo Dusek) tenha ficado só no DVD, mesmo destino de outras cinco canções.

Repertório de sonhos, show inspirado e a declamadora Bethânia vem com tudo em Olho de Lince, uma maravilha de Wally Salomão:

“Quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ignora à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta...”

Durante muito tempo circulou a lenda de que Maria Bethânia era melhor no palco que em disco. Isso foi enterrado no final dos anos 70, quando ela se tornou a primeira mulher a vender um milhão de discos com Álibi, que teve praticamente todas suas faixas tocando no rádio. De lá pra cá, Maria Bethânia firmou-se como a mais bem sucedida das cantoras de sua geração, só gravando o que gosta e do jeito que gosta – coerência rara e daí deve vir a devoção do público.

Senões: assim como ocorre com outros discos da Biscoito Fino, ao digitalizar não aparece nome do CD, das músicas, da interprete, nadinha. E a numeração de 1 a 36 na capa ignora que são dois discos: o correto seria numerá-las duas vezes de 1 a 18, como acontece quando se coloca o CD pra rodar – no computador, inclusive. São belos descuidos. E olha que o preço sugerido é de R$ 44,90. Isso não é nada chique, ao contrário de Maria Bethânia, o chiquê em forma de cantora.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os livros na estante



Tem um quê de humanos os meus livros. Os do coração, quero dizer, os queridinhos. Depois de lidos e muito lidos, eles vão parar na principal estante da casa – imensa, de madeira, pesada, desenhada por mim mesmo que não tenho a menor noção de desenho. Mas foi.

Bom, lá na estante, eles são agrupados por afinidades. Como assim? Nada de ordem alfabética ou critérios de bibilioteca, são afinidades eletivas, que só eu poderia explicar e vou tentar aqui. Mario Quintana, por exemplo, fica do ladinho de Bruna Lombardi e não só pelo vínculo poesia, claro. Seu Mario tinha uma quedinha especial pela colega de versos, a quem considerava musa: “E depois de ter lido Gaia, eu só pude exclamar: puxa! como a Bruna é ela, como a Bruna é Bruna...” Há uma foto linda dos dois em uma Feira do livro de Porto Alegre nos anos 80.

Durante algum tempo, Caio Fernando Abreu, que também esteve naquela feira do livro, ficava encostadinho na Bruna. Era excelente o convívio do trio animado, mas a produção do cara de Morangos Mofados foi crescendo e hoje ele divide com Clarice Lispector uma prateleira inteira e, por favor não espalhe isso, a mais nobre.

Novas edições de Caio e Clarice vão surgindo e faço verdadeiros malabarismos pra que os dois permaneçam lado a lado. Pertinho, Katherine Mansfield (a primeira inspiração de Clarice e que também contaminou Caio) e Lucio Cardoso – foi paixão de Clarice e, anos depois, Caio chegou a passar uns tempos no quarto que fora do autor de Crônica da Casa Assassinada. Ana Cristina César, grande amiga do Caio, mora ali pertinho, pra evitar ciúmes. Lygia Fagundes Telles, duas prateleiras abaixo, quer um espaço mais próximo dos amigos Caio e Clarice. Hilda Hilst também.

Virginia Woolf até já habitou aquelas redondezas, mas devido a um problema de espaço, Mrs. Dolloway se mudou. Michael Cunningham, o cara de As Horas, ficou sabendo e fez de tudo pra conseguir espaço naquele largo, também habitado por Paul Bowles, Carson McCullers, F. Scott Fitzgerald. Todos eles habitam a mesma prateleira, numa profusão de histórias encantadas.

É bem assim: gosto de unir meus livros com critérios da vida daqueles que os escreveram. Minha Razão de Viver, do Samuel Wainer, mora ao lado de Na Sala Com Danuza – e a biografia de Nara Leão juntinho, nada mais natural. Rubem Braga é vizinho. Certas vezes às coisas acontecem meio ao acaso: só agora me dei conta da proximidade absurda de Adélia Prado, Cecilia Meireles, Florbela Espanca e Carlos Drummond de Andrade. Só pode ter sido uma poética conspiração. Só pode. E eu lá sou doido pra separá-los? Nem pensar.

sábado, 31 de julho de 2010

Primeiro Amor Eterno e Último


Revista exerce um fascínio em mim, mas um fascínio - e se for antiga então... Meu café de quase todo sábado no final da manhã tem algumas Cruzeiro e Manchete que despertam meu instinto furto, mas só em pensamento. Uma delas me é especialmente apetitosa: Uma Claudia do início dos 60 com matéria sobre o “primeiro amor”. Bom, não é apenas uma reportagem é quase um tratado sobre o tema, escrita em primeira pessoa, num tom deliciosamente confidencial – o título é aquele lá de cima: Primeiro Amor Eterno e Último. Será? Será? E olha só quem foi chamado pra opinar: Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Stanislaw Ponte Preta – sim, os tempos eram outros.


Descobri essa Claudia há uns dois anos e, feito um santo, resisti bravamente à tentação de surrupiá-la, copiei trechos dos depoimentos no meu caderno de anotações, fiz tudo certinho. Depois, ela sumiu das prateleiras do café, durante bons meses. Faz pouco, retornou e hoje tomei uma atitude: eu não poderia mais continuar sem aquela relíquia. Não, nem pense em acionar o disque denúncia que o caso não é de furto, nem de um simples roubo. Simplesmente pedi pra xerocar aquelas cinco páginas e ouvi um “não pode” da garota do café. Insisti insisti, argumentei argumentei e já estava a ponto de implorar qdo uma outra atendente veio em meu socorro: “pode levar”. Quase gritei de felicidade, mas me contive e, segurando aquele tesouro com extremo cuidado, fui atrás de uma copiadora. As cinco páginas encantadoras estão aqui comigo, acabei de ler tudo e bem devagar e a matéria é mesmo uma delícia. A revista está lá no café, pronta para ser apreciada por outros olhos curiosos e a moça simpática que satisfez meu desejo ganhou bombons e talvez nem tenha a idéia de quanto fez o meu sábado mais feliz.


Eis um trecho da matéria assinada por Thomaz Souto Correa que, descobri agora, estava na Claudia fazia pouco mais de um ano. Era o começo da carreira do homem que tem história como revisteiro:

“Gente que, da vida, cria uma outra vida, opina sobre o primeiro amor. Nelson Rodrigues, por exemplo, parou um instante na redação do jornal em que trabalha, tirou uma baforada do cigarro, e foi taxativo: “Só existe o primeiro amor. Primeiro, único e último”. E tem mais: “Quando o amor acaba, é porque não era amor”. Jorge Amado botou papel na máquina para acentuar, acima de tudo, “o fato em si do primeiro amor, a emoção nova e maior de todas”. Clarice Lispector foi a única a não considerar o primeiro amor como amor mesmo. “Primeiro amor”, disse ela, é o ensaio do amor que se vai ter um dia. Uma promessa. Raramente pode ser amor mesmo, é apenas uma pequena amostra”. Enfim, Stanislaw Ponte Preta, citando Sergio Porto, estirado numa poltrona. Primeiro Amor? Stanislaw sorriu: “São todos, pois só há um amor no duro. É amor mesmo”. E amor mesmo, o que é? “Amor mesmo é um sentimento único e indivisível que o amante sai por aí dividindo indevidamente”. Quatro opiniões sobre o primeiro, quatro afirmações sobre o próprio, uma conclusão quase unânime sobre o último. Amor mesmo é aquele que permanece. Assim, talvez o primeiro seja o último.”

terça-feira, 4 de maio de 2010

Fuzuê do fumacê

Foi na modorra de uma tarde de sábado, que sábado é sábado em qualquer lugar do mundo. Eram tempos de arrobas. Por trás de cada uma delas, alguém, e palavras substituindo formas físicas, olhos nos olhos, na cadência maluca de um começo de século. E nessa terra sem lei, não obedecendo regras de isolamento, as pessoas teimavam em se encontrar, que gente é mesmo bicho esquisito e inventa as mais diferentes maneiras de concordar com o poeta no é impossível ser feliz sozinho. É assim desde que o mundo é mundo, seu Raimundo, e quanto mais o homem complica, quanto mais globaliza, mais cidade do interior esse mundão fica.

Nem lembro se fazia sol naquele sábado ou se já começara a temporada de chuvas que animou aquele verão. Só lembro que era sábado, uma tarde de sábado e os manda-chuvas estavam em plena caça de criaturas que lançavam baforadas ao deus dará. Foi então que dois arrobas resolveram baforar as maisons e chatôs das autoridades do banir a fumaça, que a cada dia se assemelhavam mais a vampiros de outros tempos – nada a ver com os charmosos seres das trevas True Blood e Crepúsculo daqueles anos.

E sábado, toda tarde de sábado, lá estavam os arrobas malucos no ato frenético, logo batizado de fumacê. E mais arrobas foram chegando, que arroba adora um fuzuê. Vieram até paparazzi e os arrobas debochavam deles. Nada de caras, faces, quens, vejas, épocas e outras impressas, apenas o império das arrobas na fogueira das vaidades de sempre.

Toda tarde de sábado era de fumacê e os sinais, como se anunciados pelos sinos de Belém, chegavam a distantes recantos. Homens e mulheres arrobas se divertiam à mancheia, vestidos de bionças, de madonnas ou de nobres ingleses na tradicionalíssima caça à raposa. Era de chorar fumacês, era de chorar abolições, numa linguagem que, para os arrobas, nada tinha a ver com lágrimas, muito pelo contrário. Que nossa senhora da Queridolândia proteja os arrobas. Obrigado. Amém. Y bolotas.

sábado, 1 de maio de 2010

A famous italian director


Hoje me chamou da estante um livro incrível: Os Antipáticos. É da Oriana Fallaci, jornalista e escritora italiana que entrevistou as principais figuras do século 20. Ela morreu em 2006, aos 77 anos, e nesse livro reúne suas conversas com pessoas consideradas difíceis – Ingrid Bergman, Hitchcock, Jeanne Moreau, políticos, nobres, uma galeria. É uma aula da arte de entrevistar.

Um dos capítulos (A Famous Italian Director) é sobre Fellini. Eles se conheceram em Nova York, final dos anos 50, quando do lançamento de Noites de Cabíria e se tornaram “mais ou menos amigos”. A partir de agora é Oriana Fallaci quem conta:

“Às vezes ele aparecia no apartamento em Greenwich Village para pedir-me um café com leite – o café com leite, nunca entendi porque, aliviava as suas saudades da pátria e a ausência da esposa Giulietta Masina. Entrava muito deprimido, massageando o joelho, “quando estou triste sinto dor no joelho”, “Giulietta, quero Giulietta”

“Não tinha nada de Greta Garbo, não era o monumento que é hoje. Chamava-me Bolinha, fazia-se chamar Bolinho, em alguns casos até Bolão, abandonava-se à extravagâncias inocentes, como chorar no bar do Plaza Hotel, porque o crítico do New York Times falara mal dele, ou bancar o valente. De fato, freqüentava a loira de um gângster e este lhe telefonava diariamente no hotel para dizer-lhe “i Will kill you”. Fellini não sabia inglês e respondia “very well, very well”, alimentando assim a fama de valente. A fama durou até o dia em que lhe expliquei o que o gângster lhe dizia. Meia hora depois da explicação, Fellini estava a bordo de um avião na direção de Roma.”

Oriana conta que Fellini costumava perambular à noite por Wall Street, “olhar os bancos com jeito de ladrão” e despertou a desconfiança dos policiais. Sem documentos, foi trancafiado numa cela até às seis da manhã, a berrar a única frase de inglês que conhecia: “I am Federico Fellini, famous italian director”. Chamou a atenção de um policial ítalo-americano que vira “La Strada” e lhe pediu para assobiar a trilha do filme. Acabou solto, ouviu desculpas e os polici o levaram ao hotel. Fuguraça!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Clarice e o mistério do compositor baiano


O fofoqueiro que habita em mim tem a maior curiosidade em decifrar de quem Clarice Lispector fala nessa crônica publicada no Jornal do Brasil em 14 de setembro de 1968, e que está no livro A Descoberta do Mundo.

“Um dia acordei às quatro da madrugada. Minutos depois tocou o telefone. Era um compositor de música popular que faz as letras também. Conversamos até seis horas da manhã. Ele sabia tudo a meu respeito. Baiano é assim? E ouviu dizer coisas erradas também. Nem sequer corrigi. Ele estava numa festa e disse que a namorada dele – com quem meses depois se casou – sabendo a quem ele telefonava, só faltava puxar os cabelos de tanto ciúme. Na reunião tinha uma Ana e ele disse que ela era ferina comigo. Convidou-me para uma festa porque todos queriam me conhecer. Não fui.”

É só juntar as pistas. Compositor de música popular que faz letras também, baiano, uma namorada com quem casou meses depois. Bom, nesses tempos Maria Bethânia tinha um irmão que era era mais compositor que cantor, namorava Dedé com quem se casou em novembro de 1967... Será que era Caetano??? E Ana, que era ferina com Clarice, Quem será essa Ana??? Quem souber que me conte. Por favor

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Coléu


Que as outras não ouçam, mas essa planta é meu xodó. Já contei aqui de como veio parar em casa (roubadas de um parque) e que estava atrás do nome. Descobri por esses dias que não são se trata de jacarandá ou tigrinas e sim coléu.

A palavra coléu vem do latim, significa testículo e a planta é originária das regiões tropicais da África e Ásia. Tem cores variadas e o formato é o de coração, de onde vem o nome popular – coração manchado.

Minha plantação de coléu segue lépida e faceira, cada vez mais adaptada à casa. As mais próximas da janela, mais íntimas do sol, ficam mais avermelhadas e com folhas maiores. E sigo firme minha missão de espalhar coléu pelo mundo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A Comédia dos Sexos


O homem pensa assim, a mulher assado. Ódio de generalizações e debates à parte, vamos combinar: a coisa é complexa.
Duas revistas expostas lado a lado nas bancas explicitam bem a questão. “Transe Mais no Verão!” é a chamada da Men´s Health. Já a Women’s Health escancara: “Ano Novo, Corpo Novo”.
Homem só quer saber de sexo e mulher, de corpo? Pode parecer uma análise simples e rasteira, mas será que é mesmo? Sei lá.

Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...